Aranhas armadeiras não são exatamente o tipo de animal que se gostaria de ter por perto. Além de muito agressivas, seu veneno é considerado o mais potente entre os aracnídeos.
Paradoxalmente, uma espécie do grupo libera uma toxina analgésica que
pode amenizar o sofrimento de pacientes com câncer. Testes com
camundongos e ratos sugerem que a substância funciona melhor do que os
fármacos utilizados atualmente para esse fim.
A espécie em questão é a Phoneutria nigriventer, tipo de
armadeira presente em todo o Brasil e outras regiões da América do Sul e
que contém o peptídeo Phα1β (‘Ph alfa 1beta’) em seu poderoso veneno.
Além de ter se mostrado eficaz no combate às dores decorrentes do
câncer, o uso da toxina nos animais apresentou muito menos efeitos
colaterais que outros analgésicos administrados na mesma situação.
De acordo com a farmacêutica Flávia Rigo, da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), a substância ainda tem a vantagem de não causar
tolerância nos pacientes. “Isso ocorre quando, depois de várias vezes
administrado, um fármaco passa a ter menos efeito no organismo, o que
implica no aumento constante das doses”, explica.
Para testar as propriedades analgésicas da toxina, Rigo separou os
animais em dois grupos. O primeiro, formado por camundongos, recebeu
células de melanoma nas patas direitas e foi tratado com morfina. O
segundo grupo, composto por ratos, foi apenas submetido à quimioterapia,
com o medicamento paclitaxel, sem ter desenvolvido câncer.
A toxina foi administrada quando os animais do primeiro grupo
começaram a desenvolver tolerância ao analgésico e os do segundo
apresentaram dores agudas, decorrentes do tratamento. O composto foi
injetado por via intratecal, diretamente na medula espinhal.
Segundo a farmacêutica, a substância eliminou totalmente tanto a dor
causada diretamente pelo tumor, quanto a decorrente da quimioterapia. A
analgesia durou seis horas, duas a mais que a provocada pela morfina,
por exemplo.
De acordo com Rigo, o único efeito colateral observado foi uma leve
sensibilidade na pele. Já a ziconotida, utilizada no estudo para efeitos
comparativos, causou distúrbios motores e sonolência nos animais. Esse
peptídeo, derivado do veneno do caracol Connus magus, é usado atualmente no tratamento de pacientes com câncer ou Aids tolerantes à morfina.
Cortando a comunicação
As dores provocadas pelo câncer têm origens diversas, estando
relacionadas, principalmente, à compressão de nervos e vasos pelo tumor e
à agressividade das terapias.
Trabalhos anteriores já haviam mostrado que a toxina bloqueia canais
de cálcio presentes nas células, impedindo a liberação de
neurotransmissores. Esses canais têm papel fundamental na condução de
estímulos neurológicos até o sistema nervoso central. Ao interromper
esse processo, a Phα1β faz com que o cérebro não ‘fique sabendo’ que há
algo errado e, consequentemente, não envie o estímulo de dor para o
local afetado.
Apesar dos resultados positivos dos testes, não seria possível
utilizar somente a toxina no tratamento das dores do câncer. Por ser um
peptídeo – tipo de molécula que sofre degradação excessiva no estômago e
não é bem absorvida pelo intestino –, a Phα1β precisaria ser aplicada
por via intratecal. E por se tratar de uma injeção diretamente na
medula, a aplicação recorrente por tempo prolongado seria inviável.
No entanto, foi observado durante o estudo que os animais resistentes
à morfina que recebiam doses da Phα1β tiveram essa tolerância
diminuída. Isso possibilitaria um tratamento alternado, em que a toxina
seria introduzida apenas pontualmente.
Outro problema é a necessidade de sintetizar a substância em
laboratório para a realização dos testes com seres humanos e para o
desenvolvimento de medicamento. Além de a P. nigriventer ser
muito difícil de capturar e criar em cativeiro, a quantidade de veneno
obtido de cada aranha é muito pequena. “O processo para desenvolver a
Phα1β é muito complexo, já que é preciso reproduzir todas as ligações do
peptídeo em uma estrutura tridimensional”, afirma Rigo.
Mas, de acordo com a pesquisadora, existem pesquisas nesse sentido
sendo conduzidas, visto que em 2008 outros estudos já haviam comprovado a
eficácia do composto no tratamento de dores neuropáticas e associadas a inflamações.
Já a próxima etapa do estudo de Rigo será observar a ação da toxina da armadeira em animais com dor associada à Aids.
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